Como e quando se formou a Amazônia?

Projeto da FAPESP investiga a formação da Amazônia

Texto: Cristiane Bergamini

Como e quando se formou a Amazônia? Essa é a resposta que o “Projeto de Perfuração Transamazônica: origem e evolução das florestas, clima e hidrologia dos trópicos da América do Sul”, quer descobrir. Com uma diversidade de indicadores, tendo como material fundamental os registros de sedimentos e rochas, será possível reconstituir o passado da Amazônia desde a sua origem, e responder questões fundamentais como, por exemplo, de que forma as mudanças climáticas influenciaram a diversidade de plantas, a diversificação de espécies e a formação do rio Amazonas.

Os estudos sobre a origem da Amazônia ainda são escassos em dados geológicos considerando a dimensão continental do bioma, sendo, geralmente, mais baseados em modelos e hipóteses, do que sustentado por evidências, sugerindo que a formação das florestas Neotropicais teria ocorrido durante o período Cenozoico (era geológica de aproximadamente 65,5 milhões de anos e que se estende até hoje).

“Se fossemos voltar no tempo, a floresta, como é hoje, teríamos a sua formação no período Cenozoico, iniciado há 65 milhões de anos. Então, essa é a dimensão temporal do nosso projeto, reconstituir a história cenozoica da Amazônia”, informa o geólogo e Professor André Sawakuchi, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador do projeto no Brasil.

O Projeto de Perfuração Transamazônica, TADP, como é chamado, é financiado pelo International Continetal Scientific Drilling (ICDP), National Science Foundation (NSF) e Smithsonian Tropical Research Institute (STRI); envolve instituições de onze países e 60 pesquisadores internacionais, sendo 30 sediados no Brasil. É um dos maiores programas de pesquisa já organizados para estudar a origem e evolução da Amazônia e sua relevância global. A FAPESP, uma das financiadoras, contribui com R$5.500.000,00 para cobrir os custos de sondagens, além de quatro bolsas de pós-doutorado e uma de treinamento técnico. Trata-se de um projeto temático de cinco anos vinculado ao Programa Pesquisa FAPESP sobre Mudanças Climáticas Globais.

Conforme o descritivo do projeto, a coleta do material (sedimentos acumulados nas bacias sedimentares durante o Cenozoico) para a pesquisa, os testemunhos, será realizada a partir de perfurações de 800 a 2 mil metros de profundidade em locais escolhidos estrategicamente nos estados do Acre, Amazonas e Pará. A ideia inicial do projeto era realizar cinco perfurações, sendo duas na bacia sedimentar do Amazonas, uma na bacia do Acre, uma na bacia do Solimões e outra na bacia do Marajó. De acordo com o Professor André, diversas perfurações já foram realizadas na Amazônia desde a década de 1970, mas para outros fins, como descobrir reservas de carvão, petróleo e gás natural. De acordo com o acervo do Instituto Socioambiental, em 1976, por exemplo, a Petrobrás já teria furado 200 poços na Amazônia. São localidades que já têm seções sísmicas que permitem ter uma ideia sobre a ocorrência e espessura dos sedimentos cenozoicos. As amostras coletadas nestas perfurações, no entanto, não podem ser consideradas no estudo, já que não foram coletados testemunhos, ou seja, não fornece a rocha na integridade exigida para a pesquisa. As operações de sondagens, com previsão de início no primeiro semestre de 2023, serão realizadas sequencialmente nas Bacias do Acre, com perfuração a dois mil metros, do Solimões, a 800 metros, e do Marajó, a 1.200 metros. Cada perfuração dura, em média, três meses de trabalhos ininterruptos. “Os custos das sondagens subiram substancialmente (aproximadamente 32%) devido a diversos fatores. Os recursos que temos disponíveis permitirão realizar sondagens no Acre e Marajó. A bacia do Solimões está incerta e dependerá da busca de recursos financeiros adicionais”, esclarece André.

Reconstituindo a história

De acordo com o Professor, a ideia é, a partir dos furos, reconstituir a história das florestas, do clima e dos rios da Amazônia. “Os sedimentos (areias e lamas) acumulados ao longo do tempo nas bacias sedimentares estão organizados em camadas, que são como um arquivo do passado. Então, quanto mais fundo conseguirmos perfurar, mais avançamos no nosso conhecimento sobre a história natural da Amazônia”, esclarece. Contudo, todo o material obtido a partir dessas perfurações precisa estar intacto para as pesquisas. Os testemunhos são retirados cuidadosamente, armazenados em condições especiais e enviados para um repositório na universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, onde serão tomadas amostras para estudos conduzidos pelos pesquisadores do TADP.

“Com as pesquisas esperamos conseguir respostas para questões como, por exemplo, em que momento o rio Amazonas adquiriu o seu curso atual e passou a descarregar grande quantidade de água doce e nutrientes no oceano Atlântico. Hoje, sabemos que ele nasce nos Andes e flui para o Atlântico equatorial, mas em um momento no passado fluía para o Pacífico ou Caribe? Ainda não se sabe exatamente quando e em que condições isso aconteceu, mas é o que poderemos descobrir através do estudo”, informa o Professor.

Nesses sedimentos também há pólen de plantas do passado e, com isso, é possível, por exemplo, descobrir como eram as florestas no passado. Há também minerais e detritos de plantas cujas análises permitem saber como era o regime de chuvas. Assim, vai se desenhando um cenário que descreve o clima, as florestas e os rios do passado amazônico, incluindo reconstruções da paleogeografia e paleoclimatologia (reconstruções históricas) da região.

“Temos um ambiente cuja origem e mudanças reúne desde o processo geológico numa escala de tempo de dezenas de milhões de anos, como o surgimento da cadeia de montanhas andina, até a evolução das plantas e mudanças climáticas com escalas de tempo de alguns milhões a dezenas de milhares anos. Entender o clima passado da América do Sul tropical é outra questão fundamental do projeto, pois isto está intimamente relacionado não apenas à Amazônia, mas também a outros biomas brasileiros como o Cerrado e a Floresta Atlântica. Por isso, estamos interessados em estudar a origem da Monção da América do Sul, que é responsável pela chuva da Amazônia e por parte importante da chuva do Cerrado e da Floresta Atlântica. Estamos chamando de “Origem da Amazônia” o período que marca a formação dessa grande floresta tropical separada da outra grande floresta tropical sulamericana, a Atlântica”, informa o Professor.

Em seu relato, o Professor informa que a Amazônia é geralmente apresentada à sociedade como uma grande floresta tropical densa mais ou menos uniforme, mas, na verdade, ela tem uma grande diversidade de ambientes que incluem as florestas densas de terra firme, áreas de vegetação aberta, como as campinaranas e campinas, vegetações adaptadas à temperaturas mais baixas das áreas mais elevadas nos Andes e no planalto das Guianas, além das maiores florestas sazonalmente alagáveis do mundo, as várzeas e igapós, e da imensa variedade de ambientes aquáticos nos grandes rios amazônicos. Todos esses habitats são produtos da interação entre elementos geológicos, climáticos e das florestas que serão pesquisados. “Quando a gente olha para a Amazônia não devemos olhar só para a floresta fechada de terra firme porque senão vamos perder os outros habitats”, esclarece André.

 Lúcia Lohmann

Esta grande diversidade de ambientes encontrados na Amazônia também está associada à uma enorme diversidade de espécies.

“Poucos sabem que a biodiversidade Amazônica, a maior do planeta, tem uma origem tão antiga. Os dados genéticos e paleontológicos disponíveis até o momento indicam que diversas linhagens de plantas e animais Amazônicos apresentaram altas taxas de diversificação logo após a extinção dos dinossauros, há cerca. de 65 milhões de anos. Além disso, também observamos altas taxas de diversificação, correspondentes ao surgimento de um alto número de linhagens, durante o Oligoceno e o Mioceno, períodos com alterações climáticas significativas e grande atividade tectônica. Por outro lado, apesar da biota Amazônica ter raízes tão antigas com muitas espécies (hoje fósseis) que habitavam esta região desde o início do Cenozoico (ou até antes), grande parte das espécies que vivem na Amazônia atualmente são relativamente recentes. Por exemplo, muitas espécies de borboletas, aves, primatas e plantas, tiveram sua origem durante o Plioceno e o Pleistoceno, ou seja, durante os últimos 5 milhões de anos, apesar de algumas espécies serem mais antigas com origem há cerca. de 10 milhões de anos” comenta Lúcia Lohmann, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), integrante da equipe do projeto e coordenadora do projeto temático da FAPESP “Estruturação e evolução da biota amazônica e seu ambiente: uma abordagem integrativa”, vigente entre 2013-2018, que dedicou muitos esforços para a reconstrução de árvores genealógicas baseadas em dados genéticos de diversos organismos Amazônicos. Esse projeto contou com uma grande equipe de botânicos e zoólogos, como os ornitólogos Joel Cracraft (American Museum of Natural History) e Camila Ribas (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) que também fazem parte da equipe do projeto atual.

“Desvendar a história da Amazônia não é uma questão trivial. Depende de equipes altamente multidisciplinares e preparadas para estudar diferentes aspectos associados à origem da Amazônia. Parcerias entre biólogos, geólogos, palentólogos e climatólogos são de extrema importância para desvendarmos a história tão complexa deste bioma excepcionalmente diverso,” completa Lúcia.

Avanços para a ciência

Os pesquisadores envolvidos acreditam que esse estudo trará avanços científicos de grande relevância, pois possibilitará compreender a origem e as transformações da Amazônia e da Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, elementos fundamentais do sistema climático global. “Além disso, a partir de estudos prévios e dados que serão obtidos a partir do estudo dos testemunhos, será possível identificar o patrimônio geológico das áreas abordadas, o que será fundamental também para pesquisas futuras”, informa a Professora do Instituto de Geociência da Universidade de São Paulo (USP) e membro do projeto na parte de Geoconservação e divulgação, Maria da Glória Motta Garcia.

Apesar das sondagens ainda não terem sido iniciadas, encontram-se em andamento estudos sobre sedimentos e rochas aflorantes (acessíveis na superfície) e estudos filogenéticos. Até o momento, o projeto já rendeu 10 publicações científicas em revistas internacionais. “Um trabalho de divulgação está sendo construído junto com o projeto para que se tenha os registros de cada fase das atividades através de uma linha do tempo. Este trabalho inclui a confecção de um site, a elaboração de matérias e artigos em linguagem acessível, de forma que mídia e sociedade possam acompanhar a evolução, desafios e descobertas que o projeto trará, além de parcerias outras instituições de divulgação científica”, esclarece Glória.

A Pesquisa

A pesquisa, intitulada “Trans-Amazon Drilling Project” (TADP, Projeto de Perfuração Transamazônica), é desenvolvida no âmbito do International Continental Scientific Drilling Program (ICDP), um dos maiores programas de pesquisa já organizado para estudar a origem, evolução da Amazônia e sua relevância global, sendo o responsável pelo financiamento de US$1.5 milhões e pelas normas de cooperação. Os recursos foram concedidos pelo ICDP e US-NSF – National Science Foundation, representado pelos pesquisadores Paul Baker (Duke University), Sherilyn Fritz (University of Nebraska), Cleverson Silva (Universidade Federal Fluminense) e Anders Noren (University of Minnesota). Outras duas instituições que também contribuíram com o aporte financeiro foram o Smithsonian Tropical Research Institute, através do pesquisador Carlos Jaramillo, e a FAPESP, sob a coordenação do Professor André Sawakuchi, com o auxílio de R$6.856.626,00 e US$88.090,00, além de quatro bolsas de pós-doc e uma de treinamento técnico. São instituições de onze países e 60 pesquisadores, sendo 30 nacionais de diversas especialidades.

De acordo com o coordenador do projeto no Brasil, essa será a primeira vez que os estratos sedimentares do Cenozoico da Amazônia serão perfurados e amostrados de forma contínua por meio de testemunhos para propósitos científicos. O projeto permitirá a realização de análises sistemáticas da história geológica e climática da Amazônia desde o início do Cenozoico, período considerado chave para entender a iniciação e consolidação da floresta neotropical e da Bacia Hidrográfica Amazônica.

Para a realização de toda essa pesquisa foram delineadas algumas questões científicas específicas que o projeto busca responder, como:

qual a história do surgimento e erosão dos Andes? Como foi a evolução do clima na América do Sul tropical do Cretáceo ao momento presente? Quando foi estabelecida a conexão hidrológica entre as bacias Amazônica e o Oceano Atlântico Equatorial? Como foi a composição e diversidade das plantas na Amazônia e como isso se correlaciona com a história da diversificação dos vertebrados? Se o metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2) gerados pela biodegradação dos sedimentos orgânicos soterrados são relevantes para o balanço de carbono na Amazônia, e se o magmatismo ocorrido durante a abertura do Oceano Atlântico central causou mudança climática responsável pela extinção em massa do final do período Triássico.

A previsão para iniciar a sondagem é fevereiro de 2023, no Acre, em um trabalho que acontece 24 horas por dia, 7 dias por semana. O material colhido começará a ser estudado neste projeto, mas necessitará de diversos outros projetos de pesquisa e, provavelmente, demandará décadas para a realização de estudos detalhados.

Até o momento, foram realizados dois workshops científicos que devem ser periódicos conforme avança o projeto. Já está confirmado um desses eventos na Universidade de Minnesota (EUA) assim que o primeiro testemunho chegar na instituição, que realizará a abertura e curadoria para coleta de amostras e planejamento das análises laboratoriais.

Riscos

Um dos riscos do projeto está na parte financeira. Quando o projeto foi elaborado e submetido com todas as estimativas de custos necessárias, em 2018, os serviços de sondagem estavam na casa de três milhões de dólares, sendo cerca de US$ 1 milhão aporte da FAPESP. Na ocasião, o dólar estava a R$ 3,80. A contratação se deu em abril/2019. Na sequência, veio a pandemia da COVID-19 que, por dois anos, impediu o trabalho de campo, redirecionando os estudos durante este período para análise de materiais da superfície coletados em projetos anteriores. Com a retomada dos trabalhos, em 2022 e com o dólar já na casa dos R$ 5,00, inviabilizou-se, desta forma, a realização das três sondagens. Em junho/2022, porém, a FAPESP concedeu um aditivo, de forma que, agora, os recursos para sondagem totalizam R$5.500.000,00, o que equivale a cerca de US$1 milhão, tal como solicitado em 2018.

Outro ponto de atenção do projeto é a complexidade logística e operacional das perfurações. Os locais foram selecionados a partir de estudos sísmicos e perfurações realizadas para exploração de petróleo e gás natural pela Petrobrás nas décadas de 1980 e 1990. Isto permitiu selecionar locais onde ocorrem os sedimentos e rochas de interesse do projeto. Apesar da Petrobrás não ter encontrado petróleo ou gás nestes locais, não é possível excluir o risco de a perfuração atingir uma acumulação de gás. Por isso, as perfurações devem ser realizadas com técnicas usadas na exploração de petróleo e gás e por empresa especializada. A logística de transporte da sonda entre os locais das perfurações também é desafiadora, pois demandará transporte por rios cuja navegabilidade pode ser complicada durante a estação seca. Por essa razão, o projeto requer planejamento logístico, desde a obtenção de licenças ambientais até o transporte de toneladas de testemunhos para abertura e tomada de amostras nos EUA.

Sobre o Plano Estratégico 2020-2030

 

O Plano Estratégico é uma agenda científica para os próximos 10 anos voltada a entender os processos associados à mudança do clima e avaliar as suas causas e os seus impactos, fornecendo subsídios científicos para encontrar soluções e apoiar políticas públicas baseadas em evidências científicas e gerar conhecimento.

 

A elaboração dessa agenda contou com a participação de cientistas e especialistas em cada uma das áreas contempladas e estará em discussão nos eventos para identificar necessidades de adequações e sugestões para sua implementação.

 

Os temas que compõem o Plano são:

 

Política Energética e Socioeconomia, realizado em 1 de setembro e disponível aquI,
Mudanças de Uso de Solo e Agropecuária, realizado em 15 de setembro e disponível aqui,
Biodiversidade e Ecossistemas, realizando em 29 de setembro e disponível aqui,
Modelagem Climática e Ambiental (13 de outubro);
Urbanização e Mudanças Climáticas (27 de outubro);
Saúde e Mudanças Climáticas (10 de novembro);
Dimensões Sociais e Econômicas (24 de novembro).

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