Ações para a retomada do crescimento pós-pandemia podem agravar a crise climática

Estudos mostram que esse será um período decisivo para a manutenção ou aumento das emissões de CO2

O mundo pode ser dividido em período pré e pós-COVID 19 em todos os aspectos, incluindo os relacionados às mudanças climáticas globais. Se por um lado as discussões sobre o clima não estão na pauta da urgência dos temas centrais tendo, inclusive, reuniões e encontros importante sobre o clima terem sido canceladas devido as questões que envolvem a crise na saúde; por outro, já devem, de imediato, serem tratadas como uma das prioridades para a retomada do crescimento econômico pós-pandemia.

Estudos científicos mostram que os momentos pós-crises provocam uma aceleração sem igual nas emissões dos gases de efeito estufa devido à intensa e urgente retomada pelo crescimento econômico. Assim aconteceu no pós-crise de 2008, principalmente na China, maior emissor de CO2 do mundo, que registrou na ocasião uma forte queda em suas emissões durante o pior momento, e também um incomparável aumento quando da retomada da economia, que trazia em seus planos os estímulos às construções, atividade de elevado índice de emissões.

Conforme o artigo “ Temporary reduction in daily global CO2 emissions during the COVID-19 forced confinement”, publicado recentemente na revista científica internacional especializada em pesquisas sobre as mudanças climáticas, Nature Climate Change, há uma previsão global de redução de emissões de CO2 de 6% (intervalo de 4 a 7%) devido ao isolamento social em decorrência à COVID-19. Segundo as análises, o impacto das emissões de 2020 depende ainda do tempo de duração do confinamento, podendo ser ainda maior se algumas restrições no mundo permanecerem até o fim de 2020.

É certo que o isolamento social e a consequente desaceleração econômica provocada pela pandemia trouxeram um impacto considerável na diminuição das emissões de CO2 no planeta. De acordo com as imagens de satélites da Nasa, divulgadas em março deste ano, em Wuhan, por exemplo, a cidade da província de Hubei, na China, o primeiro epicentro da pandemia e que concentra 11 milhões de habitantes, houve uma diminuição de 30% nos níveis de dióxido de nitrogênio (NO2), um dos principais poluente provenientes da queima de combustíveis fósseis. Antes da crise do Coronavírus, a promessa da China, de acordo com o descrito do Acordo do Clima de Paris, era atingir o seu auge em emissões até 2030, mas a COVID-19 freou essas emissões e trouxe uma significativa redução, e não se sabe se serão estabelecidas novas metas.

Na cidade de São Paulo observou-se o mesmo efeito. Dados divulgados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) mostraram que, devido ao isolamento, a concentração máxima na estação Marginal Tietê – Ponte dos Remédios, por exemplo, foi de 1,0 parte por milhão (média de 8 horas) frente a um padrão de 9,0 partes por milhão (ppm). O artigo “ Redução nas concentrações de poluentes durante o surto de COVID-19 na Cidade de São Paulo”, publicado, em maio de 2020, no DOSSIÊ COVID-19, produzido pelo Projeto Temático FAPESP Governança Ambiental da Macrometropole Paulista face à Variabilidade Climática, como parte do Programa FAPESP Mudanças Climáticas Globais, mostra que houve uma redução significativa nas concentrações de praticamente todos os poluentes atmosféricos na maior parte das estações de monitoramento. Dados da “Apple Mobility Report” mostram a drástica redução na atividade veicular a partir do dia 16 de março de 2020. A taxa de mobilidade caiu para valores inferiores a 40%, com valor mínimo próximo ao dia 22 de março.

Na contramão, no Brasil, enquanto se poupam emissões pela redução das atividades econômicas com o isolamento forçado, tem-se um aumento mais impactante ocasionado pelo desmatamento das florestas. De acordo com levantamento do MapBiomas, entidades que reúne ONGs, Universidades e diversas instituições, foram 56 mil pontos em todo o país, 12.187 km de área desmatada somente em 2019. O levantamento, que utilizou registros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e mais duas fontes de satélites diferentes durante um ano inteiro para mapear o estudo, mostrou que 99% do desmatamento se deu de forma ilegal, sendo 11% dos alertas apontados em áreas de conservação e quase 6% em regiões indígenas.

Devido ao alto índice de desmatamento, as emissões, consequentemente, aumentaram. Pesquisas realizadas pelo Observatório do Clima mostram que as emissões no Brasil, em 2020, devem subir entre 10% e 20% em comparação com 2018, quando foram divulgados os últimos dados. Assim, os efeitos, no país, de diminuição das emissões de CO2 devido à pandemia do novo Coronavírus foram suplantadas pelas emissões causadas pelo desmatamento.

A grande preocupação dos estudiosos do clima, porém, está justamente na retomada das atividades e à “vida normal”, pois esse será um período decisivo para o aumento ou manutenção das emissões de CO2. “É urgente que estados e municípios incluam em seus planos de recuperação econômica ações de emergência e proteção do clima para que os impactos com a retomada da economia não agravem ainda mais a crise climática. Entre essas ações tem-se, por exemplo, o incentivo ao uso das energias renováveis, ações de eficiência energética, preservação dos ecossistemas, combate ao desmatamento, redução das fontes de emissão de gases de efeito estufa, entre muitas outras, aponta o Professor Jean Ometto, integrante do Comitê do Programa FAPESP de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais e Chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Economias mundiais foram prejudicadas pela pandemia e essa desaceleração econômica trouxe, como consequência, um certo fôlego no aquecimento global em decorrência à diminuição das emissões de CO2 mas, e quando tudo voltar, as fábricas, comércio e indústria retomarem suas atividades? Além do aquecimento do mercado e da economia haverá também um aquecimento e recuperação nas emissões? Conforme aponta o artigo da Revista Nature, as ações dos governos e os incentivos econômicos podem influenciar os rumos das emissões globais por décadas. Pode-se dizer que, com a crise da saúde, a crise climática conseguiu um tempo a mais para novas ações, mas o que esperar dessa retomada: uma desacelaeração ou agravamento da crise climática global?

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