Final da COP 28: recomendação da intensificação da transição energética

Artigo: Paulo Artaxo*

Mais de 100 países, incluindo o Brasil, lutaram até o fim para que o texto mencionasse explicitamente que os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) deveriam ser banidos do planeta o mais rápido possível

Finalmente, a COP 28 acabou! E o documento final diz muito das fortes tensões que dominam a geopolítica de nosso planeta. Mais de 100 países, incluindo o Brasil, lutaram até o fim para que o texto mencionasse explicitamente que os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) deveriam ser banidos do planeta o mais rápido possível. Ao invés disso, os países produtores de petróleo forçaram um texto mencionando o estímulo à transição energética, saindo das fontes fósseis de geração de energia. Isso é exatamente o que a maioria dos países já estão fazendo há 20 anos, com a implementação de geração de energia solar e eólica, eletrificação do setor de transporte, entre muitas outras medidas já em andamento. O texto original menciona: “Que os países devem realizar uma transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa” (“transitioning away from fossil fuels in energy systems, in a just, orderly and equitable manner”). Alguns colocam que esta menção já é uma vitória expressiva, enquanto outros acham muito fraca a recomendação. A luta para a inclusão desta frase até o último minuto, com fortes ameaças de países não assinarem a declaração final, já é um sintoma grave de nossa sociedade atual. Recomendar fazer algo que já está sendo feito não pode ser caracterizado com o progresso. A Ciência recomenda, há mais de 30 anos, que seja eliminada a exploração e queima de combustíveis fósseis para evitar um clima futuro perigoso.

Outro importante passo que a COP 28 deu ocorreu logo no primeiro dia com a estruturação do fundo de perdas e danos destinado a compensar os países e regiões mais vulneráveis quando forem impactadas por eventos climáticos extremos, elevação do nível do mar, incêndios florestais, secas, enchentes e outros eventos ligados à mudança do clima. Este fundo será administrado pelo Banco Mundial a partir de doações voluntárias dos países e, talvez, empresas. Importante salientar que não se trata de obrigação dos países. Os valores projetados para este fundo de perdas e danos são extremamente reduzidos (algumas centenas de milhões de dólares versus a necessidade de centenas de bilhões de dólares. E nenhum acordo foi feito para ajudar financeiramente os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões e se adaptar ao novo clima.

A falta de governança global ficou muito evidente nesta COP. Um único país dos 192 países signatários da UNFCC pode bloquear resoluções propostas por mais de 100 países, pois tudo tem que ser aprovado por consenso. Com os interesses econômicos e políticos dos países sendo tão diversos, claro que o consenso é algo impossível. A diplomacia brasileira voltou aos seus melhores dias com forte atuação do governo brasileiro nas negociações, a presença de mais de 10 ministros na COP 28, além de Fernando Haddad e Aloísio Mercadante lançarem programas de transformação para uma economia de baixo carbono. Marina Silva brilhou, bem como Lula, com exceção do desastrado anúncio do Brasil entrando na OPEP+ e de declarações de fixação aos combustíveis fósseis do Ministro de Minas e Energia e do presidente da Petrobrás.

A intensificação da mudança climática sendo observada recentemente, particularmente com o aumento expressivo de eventos climáticos extremos, só mostra a urgência de decisões efetivas e rápida na contenção das mudanças do clima. Com as atuais emissões estamos indo para uma trajetória de aumento de temperatura de 3 graus Celsius, com aceleração do derretimento de geleiras e aumento dos eventos climáticos extremos. O ano de 2023 foi o mais quente em mais de 125 mil anos, e isso diz muito da urgência de alterarmos a trajetória climática que estamos seguindo.

Esta COP 28 coloca pressão no Brasil para que a COP 30 seja a COP que marque o fim dos combustíveis fósseis e a construção de uma sociedade com geração de energia sustentável. Além, claro, do fim do desmatamento de florestas tropicais. Temos que fazer nossa lição de casa, explorando os nossos enormes potenciais de geração de energia eólica e solar. E a Petrobrás tem que se ajustar aos novos tempos de energia renovável e engavetar o equivocado projeto de iniciar a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O Brasil, com suas fortes contradições internas, tem que trabalhar muito para definir a trajetória que devemos seguir nas questões climáticas e ambientais.

*Paulo Artaxo, Coordenador do Programa Mudanças Climáticas Fapesp, é professor do Instituto de Física da USP, membro do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU. Desenvolveu sua carreira trabalhando com meio ambiente e mudanças climáticas globais. É membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS) e é vice-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP). É também vice-presidente da SBPC. Coordena o Centro de Estudos Amazonia Sustentável (CEAS) da USP. Recebeu vários prêmios como o  Almirante Álvaro Albert0, em 2016. É Doutor Honoris Causa da Universidade de Estocolmo, e em 2021 recebeu o prêmio CONFAP de Ciência e Tecnologia. Foi incluído na lista da Clarivate Analytics como pertencente aos top 1% dos pesquisadores mais citados no mundo em 2014, 2015, 2018, 2019 e 2020.

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