Grupo de Trabalho II IPCC: o que dizem os cientistas?
Autores brasileiros do II relatório de avaliação do IPCC falam sobre as implicações das mudanças climáticas ao bem-estar humano e à saúde do planeta
O Programa Mudanças Climáticas da FAPESP promoveu, em 3 de março, o primeiro encontro do meio científico, no Brasil, para um debate sobre o Sexto Relatório de Avaliação – Grupo II: impactos, adaptação e vulnerabilidade, lançado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) na mesma semana, 28 de fevereiro.
No evento, autores brasileiros de alguns capítulos do documento falaram sobre as consequências e formas de adaptação às mudanças climáticas quanto à vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais.
“A evidência científica é inequívoca: mudanças climáticas é uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do planeta. Qualquer atraso em uma ação global, coordenada e conjunta, levará a perda de uma breve janela, que se fecha rapidamente, para assegurar um futuro habitável”, relata Jean Ometto, membro da coordenação do Programa Mudanças Climáticas FAPESP, Autor-líder do Capítulo 12 e Capítulo especial sobre florestas tropicais do relatório.
De acordo com Jean, o Relatório do Grupo 2 tem um forte foco nas interações entre os sistemas acoplados – clima, sistemas naturais (ecossistemas, biodiversidade) e sociedade humana. Essas interações são a base dos riscos emergentes provocados pelas mudanças climáticas, degradação ambiental e, ao mesmo tempo, oferecendo oportunidades para o futuro.
Um dos destaques do documento mostra que as mudanças climáticas têm causado perturbações generalizadas na natureza, afetando a vida de bilhões de pessoas, e que entre 42-46% da população mundial estão altamente vulneráveis à mudança do clima, sendo que essa vulnerabilidade depende muito do local e do contexto (gênero, etnicidade e renda) de uma sociedade.
“As Américas Central e do Sul estão altamente expostas, vulneráveis e fortemente impactadas pelas mudanças climáticas, situação amplificada pela desigualdade, pobreza, crescimento populacional e alta densidade populacional, mudança no uso da terra, principalmente desmatamento com a consequente perda de biodiversidade, degradação do solo e alta dependência das e economias locais em recursos naturais para produção de commodities”, completa o Ometto.
O relatório destaca também que os esforços para adaptação ainda são pontuais e setoriais e mostra os impactos que devem acontecer com a temperatura global excedendo 1,5oC (overshoot), mesmo que por algumas décadas, causando danos irreversíveis à diversos sistemas naturais e, certamente, com impactos nos sistemas sociais.
De acordo com Patrícia Pinho, do Instituto de Pesquisas da Amazônia – IPAM e autora do Capítulo 8: Poverty, livelihoods and sustainable development, o documento mostra que os impactos sociais observados das mudanças climáticas, como mortalidade por inundações, secas e tempestades, diferem significativamente entre regiões com alta e baixa vulnerabilidade e, portanto, revelam os diferentes pontos de partida em seu movimento em direção ao desenvolvimento resiliente ao clima. “A mortalidade observada por inundações, secas e tempestades é 15 vezes maior para países classificados como altamente vulneráveis em comparação com países menos vulneráveis na última década”, revela Patrícia.
O relatório aponta que a forma como a mudança climática é respondida, por meio da mitigação e adaptação, influencia as desigualdades, a pobreza e a segurança dos meios de subsistência e, portanto, os aspectos da justiça climática. As maiores lacunas de adaptação estão entre os grupos populacionais de baixa renda, o que mostra que, em um cenário de desigualdade, o número projetado de pessoas vivendo em extrema pobreza pode aumentar em 122 milhões até 2030. Para a Amazônia, a perda de ecossistemas e seus serviços têm impactos em cascata e de longo prazo sobre as pessoas em todo o mundo, especialmente para os povos indígenas e comunidades locais que dependem diretamente dos ecossistemas para atender às necessidades básicas.
“Melhorar a coerência entre as adaptações de diferentes grupos sociais e setores em diferentes escalas pode reduzir a má adaptação, permitir a mitigação e avançar no progresso em direção à resiliência climática. Abordagens como soluções baseadas na natureza (por exemplo, infraestrutura verde urbana, gestão baseada em ecossistemas) podem fornecer opções de subsistência e reduzir a pobreza, além de apoiar a mitigação e a adaptação”, informa a autora do capítulo 12.
Para Patrícia Pinho “adaptação salva vidas”. “A adaptação, como mostra o relatório, pode gerar vários benefícios adicionais, como melhoria da produtividade agrícola, inovação, saúde e bem-estar, segurança alimentar, meios de subsistência e conservação da biodiversidade, bem como redução de riscos e danos”.
Em sua apresentação, a Autora Capítulo 12 – Central and South America – e Professora da UFRJ, Mariana Vale, destaca que o documento mostra que as mudanças climáticas têm causado impactos negativos e muitas vezes irreversíveis em ecossistemas terrestres, de água doce, costeiros e marinhos e que a extensão e magnitude dos impactos das mudanças climáticas são maiores do que os estimados em avaliações anteriores.
De acordo com a Professora, entre os impactos já observados cerca de metade das espécies avaliadas mudaram sua distribuição em direção aos polos ou altitudes mais elevadas. Centenas de perdas locais de espécies foram impulsionadas por extremos de calor, algumas perdas são irreversíveis e já se observa as primeiras extinções de espécies impulsionadas pelas mudanças climáticas. De acordo com a pesquisadora, as causas vão desde secas sucessivas, ondas de calor, aumento do nível do mar e tempestades.
“As projeções não são boas, mas os estudos mostram que é possível diminuir esses riscos através de ações efetivas como a restauração dos sistemas degradados para que voltem a ser sumidouros naturais de carbono e conter o desmatamento”, finaliza Mariana Vale.
O Capítulo 18 “Caminhos para o Desenvolvimento Resiliente às Mudanças Climáticas”, que tem como autora Maria Silvia Muylaert de Araújo, além do WG2 Global to Regional Atla, relata, especificamente, a importância das tomadas de decisões, respostas aos riscos climáticos e caminhos de desenvolvimento resiliente ao clima, com especial destaque para os sistemas energético, urbano e de infraestrutura, terrestres, oceânicos e ecossistêmicos, industrial e social.
De acordo com a Professora Silvia, no relatório, desenvolvimento resiliente ao clima refere-se ao processo de implementação de medidas de adaptação e de mitigação de gases de efeito estufa para apoiar o desenvolvimento sustentável para todos. A Professora destacou ainda que, entre as principais medidas para esse processo está o fortalecimento do desenvolvimento sustentável e esforços para erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades, ao mesmo tempo em que promove uma adaptação justa.
“Em conclusão, observamos no relatório, com destaque, por exemplo que a ação mundial para alcançar resiliência climática e o desenvolvimento sustentável é mais urgente do que avaliado previamente, avalia a Silvia Muylaert.
Assista ao evento completo abaixo ou também no nosso canal www.youtube.com/c/MudançasClimáticasFAPESP
Sobre o Plano Estratégico 2020-2030
O Plano Estratégico é uma agenda científica para os próximos 10 anos voltada a entender os processos associados à mudança do clima e avaliar as suas causas e os seus impactos, fornecendo subsídios científicos para encontrar soluções e apoiar políticas públicas baseadas em evidências científicas e gerar conhecimento.
A elaboração dessa agenda contou com a participação de cientistas e especialistas em cada uma das áreas contempladas e estará em discussão nos eventos para identificar necessidades de adequações e sugestões para sua implementação.
Os temas que compõem o Plano são:
Política Energética e Socioeconomia, realizado em 1 de setembro e disponível aquI,
Mudanças de Uso de Solo e Agropecuária, realizado em 15 de setembro e disponível aqui,
Biodiversidade e Ecossistemas, realizando em 29 de setembro e disponível aqui,
Modelagem Climática e Ambiental (13 de outubro);
Urbanização e Mudanças Climáticas (27 de outubro);
Saúde e Mudanças Climáticas (10 de novembro);
Dimensões Sociais e Econômicas (24 de novembro).